Compreensão da matemática no uso de símbolos e da gramática
Marisa Rosâni Abreu da
Silveira[1]
Universidade Federal do Pará
(Brasil)
Recibido:
Abril 24 de 2017 – Revisado: Mayo 1 de 2017 - Aceptado: Mayo 25 de
2017
Referencia
norma APA: Silveira, M.R.A. (2017). Compreensão da matemática no uso de
símbolos e da gramática. Rev. Guillermo
de Ockham, 15(1), In press.
Resumo
Este artigo
tem o objetivo de analisar a compreensão da matemática pelo uso de seus
símbolos e regras da gramática de sua linguagem. O significado do símbolo está
no seu uso e a significação do conjunto de regras está na aplicação de tais
regras em diferentes contextos. A linguagem matemática é codificada e segue
regras que definem conceitos matemáticos. A aprendizagem da matemática depende
da prática dessa linguagem e o conhecimento do funcionamento da linguagem
matemática pode ser encontrado nos jogos de linguagem envolvendo professor e
alunos. Para tanto, nos apoiaremos na filosofia da linguagem de Wittgenstein e
de alguns comentadores de sua filosofia.
Palavras-chave: Linguagem. Matemática. Compreensão. Símbolos.
Gramática.
Comprensión de las matemáticas en el uso de símbolos y la gramática
Resumen
En este artículo
se pretende analizar la comprensión de las matemáticas a través del uso de sus
símbolos y reglas de la gramática de su lengua. El significado del símbolo es
en su uso y el significado del conjunto de reglas se encuentra en la aplicación
de dichas reglas en diferentes contextos. El lenguaje matemático es codificado
y sigue las reglas que definen los conceptos matemáticos. El aprendizaje de las
matemáticas depende de la práctica de esta lengua y un conocimiento del
funcionamiento del lenguaje matemático se pueden encontrar en los juegos de
lenguaje que involucran profesor y los estudiantes. Por lo tanto, vamos nos
apoyar à la filosofía del lenguaje de Wittgenstein y algunos comentaristas de
su filosofía.
Palabras clave: Lenguaje. Matemáticas. Comprensión.
Símbolos. Gramática.
Understanding
mathematics in the use of symbols and grammar
Abstract
This article aims to analyze
the understanding of mathematics by the use of its symbols and rules of the
grammar of its language. The meaning of the symbol is in its use and the
meaning of the set of rules lies in the application of such rules in different
contexts. Mathematical language is codified and follows rules that define
mathematical concepts. The learning of mathematics depends on the practice of
this language and the knowledge about the functioning of mathematical language
can be found in the language games involving teacher and students. To that end,
we will rely on Wittgenstein's philosophy of language and some commentators on
his philosophy.
Key words: Language. Mathematics. Understanding. Symbols. Grammar.
Introdução
Neste texto temos o objetivo de analisar o uso de símbolos e da
gramática para a compreensão e aprendizagem da matemática. Para tanto,
recorremos à filosofia da linguagem de Wittgenstein e de alguns de seus
comentadores como aporte teórico, principalmente quando tratamos da experiência
do sujeito com a linguagem. A linguagem natural se apresenta de tal forma que
pode descrever coisas e fatos, como também estabelecer normas, já as
proposições matemáticas são regras gramaticais que aprendemos no uso em que
delas fazemos em diferentes contextos de aplicação. Partimos do pressuposto que
o significado da palavra ou do signo está no uso, assim como o significado de
uma regra está na sua aplicação.
Wittgenstein apresenta dois momentos de sua
filosofia, porém concordamos com Saint-Fleur (1998) quando mostra a unidade de seu pensamento justificando
que a crítica feita à Agostinho é uma crítica ao seu próprio pensamento, ao
pensamento que guiou o Tractatus Logico-Pholosophicu
(1968) – obra
que caracteriza seu primeiro momento filosófico. Nas Investigações
filosóficas (2009) Wittgenstein inaugura sua segunda filosofia, onde mostra
que o sujeito se constitui pela linguagem. Saint-Fleur afirma que tal filosofia
é uma educação para a autonomia. Isso é tão verdade que para o filósofo “quando
ensinamos a alguém a dar seu primeiro passo, nós, com isso, o capacitamos a
percorrer qualquer distância” (Wittgenstein,
2005, p. 166).
Para compreendermos o uso de símbolos e da
gramática da matemática na perspectiva do filósofo, primeiro analisaremos como
a linguagem utilizada no ensino da matemática pode interferir na sua aprendizagem,
bem como as características da própria linguagem dos textos que envolvem
conceitos matemáticos. Em segundo lugar discutiremos o
uso da gramática que rege os textos que envolvem esses símbolos.
O
uso de símbolos matemáticos
Ao ensinarmos a contagem para as crianças consideramos palavras que acompanham
os numerais, tais como quando dizemos, dois bombons, três carrinhos etc. Nas
estratégias utilizadas na contagem associamos numerais ao mundo físico.
Quando
a criança aprende esta linguagem, deve aprender a série de ‘numerais’ a, b, c
... de cor. E ela tem que aprender o seu uso. -Dar-se-á nesta instrução um
ensino ostensivo das palavras? – Ora, vai-se mostrar lajes e contar: “laje a,
laje b, laje c”. -Uma maior semelhança com o ensino ostensivo das palavras
“bloco”, “coluna” etc. teria o ensino ostensivo dos números que
não servem para contar mas para designar grupos de coisas que
se podem captar com os olhos. É assim que as crianças aprendem o uso dos cinco
seis primeiros numerais. (Wittgenstein, 2009, § 9)
O ensino de numerais por meio de gestos
ostensivos é frequentemente utilizado pelo professor, pois tal gesto é de certa
forma um instrumento de linguagem. A compreensão do gesto ostensivo é uma
espécie de tradução que o aluno faz quando percebe aquilo que está sendo apontado
pelo professor e as palavras pronunciadas ao mesmo tempo em que aponta para o
objeto de aprendizagem. “Isso é um gato!” fornece significado ao numeral um.
Pode-se
então definir ostensivamente um nome próprio, um nome de cor (...) um numeral
(...). A definição do número dois “Isto significa ‘dois’” – enquanto se mostram
duas nozes – é perfeitamente exato. – Mas como se pode definir o dois assim?
Aquele a quem se dá a definição não sabe o que se quer denominar com “dois”,
ele vai supor que você chama “dois” este grupo de nozes!-Ele pode supor
isto; mas talvez não suponha. Ele poderia
também, vice-versa, se quero atribuir um nome a esse grupo de
nozes, entendê-lo erroneamente como nome de um número (Ibid., §28).
Wittgenstein afirma que a palavra número tem que ser explicada antes da
definição ostensiva, pois a palavra depende das circunstâncias em que ela é
empregada, e da pessoa, a quem dirigimos o gesto de apontar. A passagem dos
outros numerais implica de certa forma o ensino de numerais desprovidos de
objetos físicos, tais como, por exemplo, dez laranjas sem as laranjas, quinze
tomates sem os tomates. E aí começa o ensino da técnica da contagem que pode
apresentar mais ou menos problemas dependendo da língua materna. Noventa e
cinco para os franceses são quatro vinte quinze (quatre-vingt-quinze), para os
ingleses noventa cinco (ninety five), assim como para a língua portuguesa
noventa e cinco, já para os chineses nove-dez-cinco (Jiŭ shí wŭ) que utilizam palavras
que descrevem o número e se aproxima da forma canônica nove vezes dez mais
cinco. E por esse fato que Fayol (2012) afirma que crianças asiáticas têm mais
facilidade na contagem que, por exemplo, os americanos. Notemos que a forma
oral dos chineses se aproxima da forma escrita e isso de certa forma justifica
o motivo pelo qual nossos alunos escrevem 2005 para duzentos e cinco ou 800304
para oitocentos e trinta e quatro.
Para
Wittgenstein, um número cardinal é uma propriedade interna de uma
lista, isto é, uma propriedade interna de um sinal para a extensão de um
conceito.
Parece que estritamente falando, um número cardinal não é outra do que um
aspecto. É o aspecto de uma lista e não a aparência de um conceito, um número
cardinal é a marca de um conceito, a propriedade interna de um conceito.
Quando ensinamos as crianças temos que nos ater ao emprego da palavra
que designa o numeral. Nos jogos primitivos a criança aprende como se usa, por
exemplo, a palavra “feliz”, feliz dia das mães, feliz dia dos pais, feliz
natal, etc., tal que no dia do índio faz um cartão para sua mãe dizendo “feliz
dia do índio”. Esse é exemplo que mostra que a criança, nesse caso, sabe o contexto
que se usa a expressão “feliz dia”, conhece o contexto de aplicação de tais
palavras, mas não sabe sua significação.
A importância da linguagem na educação é indispensável, pois o uso da
palavra em um determinado contexto e seu significado determinam o conhecimento
de possibilidades de intervenção do professor para que alguns mal-entendidos
sejam solucionados. O princípio de conservação de quantidade para os
cognitivistas exige uma experiência do aluno com um objeto, de tal maneira que
ele perceba que o volume de uma substancia é o mesmo independentemente do
recipiente que a substancia for colocada, por exemplo, o volume contido em um
copo de água tem o mesmo volume após o copo ser esvaziado em um prato raso.
Para Gottschalk (2007), não é a experiência que deve ser levada em conta ao
crédito de construção do conceito, e sim, a palavra “mesmo” volume pronunciada
pelo aluno que experenciou a manutenção do volume de água nos dois recipientes,
a experiência foi com a palavra, o uso da palavra com sentido.
A significação da palavra ocorre nos diferentes usos, em diferentes
contextos. Assim, podemos observar que é importante que se conheça o
significado da palavra e os possíveis contextos de sua aplicação. Conhecer o
contexto de aplicação da palavra, mas não saber seu significado, tal como saber
resolver uma equação do segundo grau, mas não saber o significado de equação do
segundo grau. Saber resolver a equação
Contar é uma técnica. Onze é sucessor de
dez, assim como, doze é o sucessor de onze (Bouveresse, 1987). Para
Wittgenstein (1987,
p. 264), a série 1, 2, 3, ... é definida por uma regra e esta proposição
não é empírica. Produzimos signos numéricos um após outro, tais como 1, 2, 3 e
assim por diante. Nesse
sentido, Mlika (2015), ao debater o pensamento de Maurice Caveing, afirma que
o conceito de número é independente de sistemas de
numeração, mas os sistemas de numeração não são independentes dele, isso
explica como todos os sistemas têm alguns traços em comum. Todos estes sistemas
são conforme o conceito. O conceito de número não existe por si só em um céu
inteligível: ele funciona como um pólo de regulação, naturalizado,
“historicizado” e “humanizado”.
Para Caveing (2004), a matemática é fruto
de um trabalho humano que se opera por desvios no pensamento, na linguagem e na
prática. O automovimento da matemática esclarecido por Caveing concorda de
certa forma com a autonomia e normatividade da matemática defendida por
Wittgenstein. O movimento interno da matemática mostra que o conceito de número
inteiro nasce por uma necessidade interna do próprio campo da matemática, não
porque temos dívidas, quando nos deparamos com a operação, por exemplo, 2 – 5,
assim como o conjunto dos números imaginários nasce da necessidade de extrair a
raiz quadrada de um número negativo.
Bouveresse (1987) destaca que a força de regra permite Wittgenstein apelar
para a invenção da necessidade. As regras gramaticais determinam a
significação, tal como
A concepção antropológica da necessidade que nos apresenta Wittgenstein certamente desencoraja a
tendência de realismo matemático (ou
qualquer forma de teoria da verdade como
correspondência). Somos tentados a
acreditar que deduzimos p de
q porque p segue efetivamente
(Tatsächlich) ou realmente de q (BGM, p. 46), conforme uma consecução objetiva
que gravamos em "p decorre q". Mas Wittgenstein
não acredita na objectividade
da relação da consequência lógica, "as consequências" não existem "antes de ser tiradas" (PG, p. 55),
não há conexões lógicas ocultas (p. 144). E, se for preciso invocar aqui um acordo com a realidade,
é o acordo com a realidade de
usos e costumes: “mas com que concorda aqui quem é correto?
Sem dúvida com uma convenção
ou um uso, e
talvez com as necessidades práticas”. (Chauviré,
2008, p. 97)
Conhecimento e
linguagem relacionam-se de tal maneira que os critérios de verdade e
objetividade são resultados de uma intersubjetividade. A invenção humana atua
com diferentes objetividades, diferentes finalidades, diferentes critérios e
com diferentes formas de vida. A objetividade está em diferentes formas de vida
onde as condições objetivas envolvem a construção do conhecimento. A verdade não
é absoluta, mas é objetiva. Cada objetividade é diferente e circunstancial. A
produção de conceitos cria a objetividade da matemática. “A verdade matemática
é independente do reconhecimento ou não por parte dos homens! – Certamente: as
frases “os homens acreditam que
Para Lamarre (2007), a certeza não é nem
uma interioridade subjetiva, nem uma transcendência objetiva, ela é interna à
prática intersubjetiva de um jogo de linguagem, é o pedestal firme da
autoridade e autoriza um jogo de linguagem. Autoridade do mestre e da escola,
diferentemente de autoritarismo, pois acredita-se, assim como Wittgenstein, que
o aluno precisa acreditar e ter confiança no professor e na escola. Lamarre afirma
que Wittgenstein não é um relativista, porém que a autoridade não só precede
cronologicamente a racionalidade, mas também é o seu substrato, a base. Podemos
também dizer que a confiança precede e funda a dúvida, as certezas precedem e fundam o saber, a
transmissão precede e funda a construção e a discussão. (Silveira; Cunegatto,
2016)
De acordo com o filósofo austríaco, o
professor não pode ensinar o aluno por meio da dúvida, e sim, partir de
certezas. Quando ensinamos a criança a contar, não podemos querer que por si só
descubra que depois de dezenove vem vinte. Os números são invenções humanas e a
técnica de contagem tem que ser ensinada pelo professor. O aluno aprenderá a
contar após um certo hábito com a contagem, assim como poderá aprender as
operações com os números, mas para que isso aconteça deve ser iniciado na
aprendizagem da gramática que rege os textos matemáticos.
O
uso da gramática da matemática
A gramática da nossa língua natural é um conjunto de regras que orienta
o uso das palavras dentro de um texto e contexto determinado, já a gramática da
matemática é um sistema de regras que rege, por exemplo, as operações e o
cálculo de equações. Ela guia o uso de determinados símbolos que seguem uma regra
de formação, bem como as regras que governam um determinado jogo de linguagem,
tal como as equações. O significado de um signo está no uso que fizemos dele,
na aplicação do signo. O uso dos signos
Jogo de linguagem consiste de linguagem e pelas atividades com as quais
ela vem entrelaçada. Na atividade de ensino, o jogo de linguagem, para
Wittgenstein (1996, p. 18) pode se dar quando: “o aprendiz dá nome aos objetos. Isto é, ele diz a
palavra quando o professor aponta para a pedra (...) o aluno repete as palavras
que o professor pronuncia-ambos, processos lingüísticos semelhantes”. A função
do jogo de linguagem é a forma de vida, tal que as palavras pronunciadas no
contexto tenham sentido para todos participantes do jogo.
Uma das principais fontes de nossa falta de compreensão é que
não dominamos com uma clara visão o
uso de nossas palavras. – Falta à nossa gramática uma disposição clara. Uma exposição de conjunto transmite a
compreensão, que consiste exatamente em “ver conexões”. Daí a importância de se
achar e de se inventar conectivos. (Wittgenstein, IF, § 122)
O uso da gramática busca evitar as confusões e equívocos do mal-uso de
nossa linguagem. Os jogos de linguagem apontam para o uso das palavras em
determinados contextos e por determinadas pessoas, de tal forma que as palavras
são usadas orientandas pelo funcionamento da linguagem daquela comunidade. Se
mudamos os contextos, mudam também os jogos de linguagem e o significado das
palavras.
Segundo Soulez (2004), a linguagem começa pelo jogo, entrelaçando
expressões e ações, num contexto. Jogo de linguagem é estrutura linguística
onde a atividade de enunciação está num lugar dado. Existe relação interna
entre atos e regras que se exprime em conceitos, um jogo de linguagem que
associado à ação num contexto faz com que o ato siga as palavras pronunciadas.
Assim, compreender é operar com uma frase que supõe a manipulação de signos na
medida em que pensar é uma forma de cálculo onde o significado é o papel no cálculo.
Operação como ação, ato mental onde os atos seguem as palavras conforme regras
no contexto. As regras constituem significados de tal maneira que palavras que
não seguem regras não possuem significação. Porém, as regras podem ser
compreendidas em diversos sentidos, daí que as palavras se deixam traduzir em
outras existentes ou inventadas. Desta forma, determinamos o sentido da regra
no uso, na prática da linguagem.
O uso do símbolo matemático lhe fornece vida, ele sozinho parece morto.
O elemento
Para escrever textos matemáticos é necessário o domínio de certas
técnicas da escrita, tais como aquelas que dizem que para encontrarmos o valor
de uma incógnita separamos os termos com incógnitas de um lado da igualdade e
do outro lado colocamos os termos independentes, essa regra busca isolar a
incógnita. Como por exemplo, o uso da gramática na equação
A gramática da
língua portuguesa pode ser diferente da língua inglesa, mas ambas pretendem que
os sujeitos, em suas línguas maternas, compreendam-se mutuamente. Da mesma
forma, a linguagem matemática pretende ser compreendida em diferentes idiomas,
cada qual com seu conjunto de regras. Neste sentido, podemos dizer que a
linguagem matemática pretende ser universal, de tal forma que uma equação do
primeiro grau, por exemplo, possa ser compreendida em qualquer idioma. Devemos
destacar que a linguagem matemática não possui oralidade, portanto, ela utiliza
a língua materna para que seus signos possam ser lidos. Neste interim, podemos
perceber que a linguagem matemática ao ser lida pela linguagem natural, carrega
assim a sua polissemia.
Os cálculos
algébricos, por exemplo, podem ser conhecidos e apreendidos em qualquer idioma.
A álgebra é considerada como uma língua
estrangeira pelos estudantes, pois podemos perceber o alto índice de reprovação
em matemática quando iniciam as atividades de interpretação e escrita de
cálculos algébricos. A escrita de textos matemáticos aponta para a dificuldade
de objetivação quando não dominam a gramática da matemática. Pierobon (2003)
afirma que a álgebra é uma escritura emancipada de uma intuição. Esta
disciplina é uma construção simbólica em que a escritura e imagem estão
dissociadas e assim, o algoritmo algébrico representa um salto epistêmico.
Porém, de acordo com Wittgenstein, não
há pensamentos sem linguagem.
É correto dizer que o
pensamento é uma actividade da mão que escreve, da laringe, da nossa cabeça e
do nosso espírito, desde que se compreende a gramática destas afirmações. E é,
além disso, extremamente importante ter consciência de como, pela má
compreensão da gramática das nossas expressões, somos levados a pensar numa
destas afirmações em particular como indicando a verdadeira sede da actividade
do pensamento (1992, p. 45).
A articulação do interior e exterior se manifesta por meio da linguagem,
pensamento e palavra estão ligados de tal maneira que não há nada oculto, tudo
está em nossa linguagem. Para Chauviré (2010), Wittgenstein nega que exista um
processo interior sem o exterior, o acesso ao interior é mediado pelo exterior,
mas isso não quer dizer que existe uma sincronia de tal forma que quando
falamos as palavras acompanham o pensamento. É impossível descrever o processo
de pensamento, assim como descrever a reflexão, ela depende da linguagem. Pensar
não é um conceito da experiência, mas uma capacidade.
Wittgenstein (2009, §339) afirma que
“pensar não é nenhum processo incorpóreo que empresta vida e sentido ao ato de
falar” e este fato aponta para os limites da nossa linguagem quando queremos
expressar um pensamento, tal como quando utilizamos palavras indevidas quando
na realidade queríamos dizer diferente. “O
interior está ligado logicamente ao exterior, e não simplesmente por
experiência”. (Wittgenstein, 2008, II, § 63). Para o filósofo, existe relação
entre ver e interpretar, assim como, interpretar é uma espécie de pensar. Não existe pensamento sem linguagem e a relação entre
a realidade e a linguagem leva à uma prática quando, por exemplo, dizemos “Isso
é uma cadeira”. O significado da palavra cadeira está no uso da palavra. “A
comunicação oral deixa na memória uma impressão muito mais frágil que a
visualização da palavra” (Wittgenstein,
1986, p. 237).
Daí a importância da leitura e escrita na
aprendizagem da matemática, pois lidar com a leitura da palavra escrita ou
mesmo ter que escrever a palavra é um exercício que conduz o aluno à memória na
constituição de conceitos. O uso de símbolos e da gramática da linguagem
matemática em jogos de linguagem onde participam aluno e professor é necessário
para o entendimento do funcionamento dessa linguagem.
Considerações finais
A matemática é normativa porque sua
gramática não depende da empiria e o seu
automovimento lhe concede autonomia. Essa normatividade impõe uma lógica
própria que pode não coincidir com a lógica do aluno e a lógica do cotidiano. Este
fato pode trazer prejuízos à aprendizagem da matemática. A possibilidade de compreensão
da matemática depende da compreensão da gramática que rege seus textos. Os
intérpretes de Wittgenstein têm apontado a importância de compreender a
linguagem na escola e fora dela. Wittgenstein anuncia os jogos de linguagem
como forma de fornecer vida as palavvras pronunciadas em um determinado
contexto. Na sala de aula quando o professor ensina o vocabulário associado aos
conceitos matemáticos mostra a preocupação com o uso da linguagem específica dessa
disciplina.
É por
meio do uso da linguagem que os alunos podem compreender seu significado. Para
isso, o diálogo entre professor e aluno torna-se imprescindível para que as
palavras pronunciadas em sala de aula tenham sentido para ambos. É no uso dos
símbolos matemáticos que surge a possibilidade de compreensão. Atividades de
ensino que possam propor a participação do aluno, de forma tal, que ele seja
instigado a expor aquilo que interpretou das palavras do professor. O professor
ao dar voz às suas dificuldades pode recuperar as palavras mal interpretadas e usar
outras na tentativa de que o sentido seja encontrado.
É também no uso de regras matemáticas que o
aluno encontra o significado. A aplicação de regras pressupõe o exercício da
aplicação de regras em diferentes contextos, porém como vimos não podemos prever
todos os contextos que o aluno queira aplicar uma determinada regra. O
importante é que a regra seja compreendida, mas não basta o professor dar
exemplos de aplicação no quadro, é preciso estabelecer um jogo de linguagem com
os alunos onde as palavras pronunciadas tenham sentido.
Referências
Bouveresse, J. (1987). La force de la règle: Wittgenstein
et l’invetion de la
necessité. Paris: Les Éditions de Minuit.
Caveing, M. (2004). Le problème des objets dans la pensée
mathématique.
Paris: Librairie Philosophique
J. Vrin.
Chauviré, C. (2008). Le moment anthropologique
de Wittgenstein. Paris: Kimé.
Fayol, M. (2012). Numeramento:
aquisição das competências matemáticas. São
Paulo: Parábola Editorial.
Gottschalk, C. M. C. (2007). Uma
concepção pragmática de ensino e
aprendizagem. Educação
e pesquisa, São Paulo, v.33, n.3, set./dez, 459-470.
Halais, E. (2011).
Wittgenstein, l’éducation, le
solipsisme. Éducation
et
didactique.
En.: http://educationdidactique.revues.org/1241.
Lamarre, J-M. (2007). Autorité et
argumentation. Diotime, n. 33. En.:
http://www.educ-revues.fr/Diotime/AffichageDocument.aspx?iddoc=32831.
Mlika,
H. (2015). La contribution de Maurice
Caveing. En.:
http://www.dogma.lu/txt/HM-MauriceCaveing.htm.
Pierobon, F. Kant et les Mathématiques. Paris:
Librairie Philosophique J. Vrin,
2003.
Saint-F.,
Joseph P. (1998). Ludwig Wittgenstein: de l’éthique de da pédagogie à
la pédagogie de l’éthique. SPIRALE - Revue de Recherches en Éducation –, n. 21, 191-205.
Silveira,
M.R.A.; Cunegatto, T. (2016). Por uma Antropologia da Educação
Matemática. Perspectivas da Educação
Matemática, Mato Grosso do Sul, v. 8. N.
19, 39-55.
Soulez, A. (2004).
Wittgenstein et le tournant grammatical. Paris: Presses
Universitaires
de France.
Wittgenstein, L. (1992). O livro azul. Lisboa: Edições 70.
Wittgenstein,
L.
(2005). Observações Filosóficas. São
Paulo: Edições Loyola.
Wittgenstein, L. (1986).
Vocabulaire à l’usage des écoles primaires.
En.: Ludwig
Wittgenstein. Marseille: SUD. Revue Litteraire Bimestrielle.
[1] Doutora em Educação, Líder
do Grupo de Estudos e Pesquisas em Linguagem Matemática do Programa de
Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática/Universidade Federal do Pará.
E-mail: marisabreu@ufpa.br. Endereço: Augusto Corrêa,
n. 01, Guamá, Belém, Pará, Brasil. CEP 66075110.