Compreensão da matemática no uso de símbolos e da gramática

Marisa Rosâni Abreu da Silveira[1]

Universidade Federal do Pará (Brasil)

 

Recibido: Abril 24 de 2017 – Revisado: Mayo 1 de 2017 - Aceptado: Mayo 25 de 2017

 

Referencia norma APA: Silveira, M.R.A. (2017). Compreensão da matemática no uso de símbolos e da gramática. Rev. Guillermo de Ockham, 15(1), In press.

 

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Resumo

Este artigo tem o objetivo de analisar a compreensão da matemática pelo uso de seus símbolos e regras da gramática de sua linguagem. O significado do símbolo está no seu uso e a significação do conjunto de regras está na aplicação de tais regras em diferentes contextos. A linguagem matemática é codificada e segue regras que definem conceitos matemáticos. A aprendizagem da matemática depende da prática dessa linguagem e o conhecimento do funcionamento da linguagem matemática pode ser encontrado nos jogos de linguagem envolvendo professor e alunos. Para tanto, nos apoiaremos na filosofia da linguagem de Wittgenstein e de alguns comentadores de sua filosofia.

Palavras-chave: Linguagem. Matemática. Compreensão. Símbolos. Gramática.

Comprensión de las matemáticas en el uso de símbolos y la gramática

Resumen

En este artículo se pretende analizar la comprensión de las matemáticas a través del uso de sus símbolos y reglas de la gramática de su lengua. El significado del símbolo es en su uso y el significado del conjunto de reglas se encuentra en la aplicación de dichas reglas en diferentes contextos. El lenguaje matemático es codificado y sigue las reglas que definen los conceptos matemáticos. El aprendizaje de las matemáticas depende de la práctica de esta lengua y un conocimiento del funcionamiento del lenguaje matemático se pueden encontrar en los juegos de lenguaje que involucran profesor y los estudiantes. Por lo tanto, vamos nos apoyar à la filosofía del lenguaje de Wittgenstein y algunos comentaristas de su filosofía.

Palabras clave: Lenguaje. Matemáticas. Comprensión. Símbolos. Gramática.

Understanding mathematics in the use of symbols and grammar

Abstract

This article aims to analyze the understanding of mathematics by the use of its symbols and rules of the grammar of its language. The meaning of the symbol is in its use and the meaning of the set of rules lies in the application of such rules in different contexts. Mathematical language is codified and follows rules that define mathematical concepts. The learning of mathematics depends on the practice of this language and the knowledge about the functioning of mathematical language can be found in the language games involving teacher and students. To that end, we will rely on Wittgenstein's philosophy of language and some commentators on his philosophy.

Key words: Language. Mathematics. Understanding. Symbols. Grammar.

 

Introdução

    Neste texto temos o objetivo de analisar o uso de símbolos e da gramática para a compreensão e aprendizagem da matemática. Para tanto, recorremos à filosofia da linguagem de Wittgenstein e de alguns de seus comentadores como aporte teórico, principalmente quando tratamos da experiência do sujeito com a linguagem. A linguagem natural se apresenta de tal forma que pode descrever coisas e fatos, como também estabelecer normas, já as proposições matemáticas são regras gramaticais que aprendemos no uso em que delas fazemos em diferentes contextos de aplicação. Partimos do pressuposto que o significado da palavra ou do signo está no uso, assim como o significado de uma regra está na sua aplicação.

    A filosofia de Wittgenstein mostra a preocupação do filósofo com os problemas do uso da linguagem em nossas atividades linguisticas. Esse uso não descarta as atividades de ensino como podemos perceber em sua experiência docente quando construiu junto a seus alunos, de escolas primárias no interior da Áustria, um dicionário que buscasse emitir conceitos com as palavras dos próprios alunos corrigidas pelo mestre. Halais (2011) em sua pesquisa diz que Wttgenstein afirma que o objetivo do dicionário foi de fato fornecer a cada aluno um vocabulário preciso, se possível, sem falhas, de tal maneira que o mestre era obrigado a controlar apenas as palavras utilizadas pelos estudantes. Conforme o filósofo austríaco, o dicionário após terminado, mostrou que os esforços foram bem sucedidos, pois melhorou a ortografia dos alunos. Apesar disso Wittgenstein alerta que o emprego da linguagem não é matéria de ensino, pois não temos como controlar as possíveis aplicações das palavras ensinadas aos alunos. Quando ensinamos uma regra não podemos ensinar todas as suas aplicações, já que o ensino não pode prever situações inusitadas que os alunos pretendem aplicá-la.

    Wittgenstein apresenta dois momentos de sua filosofia, porém concordamos com Saint-Fleur (1998)  quando mostra a unidade de seu pensamento justificando que a crítica feita à Agostinho é uma crítica ao seu próprio pensamento, ao pensamento que guiou o Tractatus Logico-Pholosophicu (1968) – obra que caracteriza seu primeiro momento filosófico. Nas Investigações filosóficas (2009) Wittgenstein inaugura sua segunda filosofia, onde mostra que o sujeito se constitui pela linguagem. Saint-Fleur afirma que tal filosofia é uma educação para a autonomia. Isso é tão verdade que para o filósofo “quando ensinamos a alguém a dar seu primeiro passo, nós, com isso, o capacitamos a percorrer qualquer distância” (Wittgenstein, 2005, p. 166).

    Para compreendermos o uso de símbolos e da gramática da matemática na perspectiva do filósofo, primeiro analisaremos como a linguagem utilizada no ensino da matemática pode interferir na sua aprendizagem, bem como as características da própria linguagem dos textos que envolvem conceitos matemáticos. Em segundo lugar discutiremos o uso da gramática que rege os textos que envolvem esses símbolos.

 

O uso de símbolos matemáticos

    Ao ensinarmos a contagem para as crianças consideramos palavras que acompanham os numerais, tais como quando dizemos, dois bombons, três carrinhos etc. Nas estratégias utilizadas na contagem associamos numerais ao mundo físico.

 

Quando a criança aprende esta linguagem, deve aprender a série de ‘numerais’ a, b, c ... de cor. E ela tem que aprender o seu uso. -Dar-se-á nesta instrução um ensino ostensivo das palavras? – Ora, vai-se mostrar lajes e contar: “laje a, laje b, laje c”. -Uma maior semelhança com o ensino ostensivo das palavras
“bloco”, “coluna” etc. teria o ensino ostensivo dos números que
não servem para contar mas para designar grupos de coisas que
se podem captar com os olhos. É assim que as crianças aprendem o uso dos cinco seis primeiros numerais. (Wittgenstein, 2009, § 9)

 

    O ensino de numerais por meio de gestos ostensivos é frequentemente utilizado pelo professor, pois tal gesto é de certa forma um instrumento de linguagem. A compreensão do gesto ostensivo é uma espécie de tradução que o aluno faz quando percebe aquilo que está sendo apontado pelo professor e as palavras pronunciadas ao mesmo tempo em que aponta para o objeto de aprendizagem. “Isso é um gato!” fornece significado ao numeral um.

 

Pode-se então definir ostensivamente um nome próprio, um nome de cor (...) um numeral (...). A definição do número dois “Isto significa ‘dois’” – enquanto se mostram duas nozes – é perfeitamente exato. – Mas como se pode definir o dois assim? Aquele a quem se dá a definição não sabe o que se quer denominar com “dois”, ele vai supor que você chama “dois” este grupo de nozes!-Ele pode supor isto; mas talvez não suponha. Ele poderia
também, vice-versa, se quero atribuir um nome a esse grupo de
nozes, entendê-lo erroneamente como nome de um número (Ibid., §28).

 

    Wittgenstein afirma que a palavra número tem que ser explicada antes da definição ostensiva, pois a palavra depende das circunstâncias em que ela é empregada, e da pessoa, a quem dirigimos o gesto de apontar. A passagem dos outros numerais implica de certa forma o ensino de numerais desprovidos de objetos físicos, tais como, por exemplo, dez laranjas sem as laranjas, quinze tomates sem os tomates. E aí começa o ensino da técnica da contagem que pode apresentar mais ou menos problemas dependendo da língua materna. Noventa e cinco para os franceses são quatro vinte quinze (quatre-vingt-quinze), para os ingleses noventa cinco (ninety five), assim como para a língua portuguesa noventa e cinco, já para os chineses nove-dez-cinco (Jiŭ shí wŭ) que utilizam palavras que descrevem o número e se aproxima da forma canônica nove vezes dez mais cinco. E por esse fato que Fayol (2012) afirma que crianças asiáticas têm mais facilidade na contagem que, por exemplo, os americanos. Notemos que a forma oral dos chineses se aproxima da forma escrita e isso de certa forma justifica o motivo pelo qual nossos alunos escrevem 2005 para duzentos e cinco ou 800304 para oitocentos e trinta e quatro.

    Para Wittgenstein, um número cardinal é uma propriedade interna de uma
lista, isto é, uma propriedade interna de um sinal para a extensão de um conceito.
Parece que estritamente falando, um número cardinal não é outra do que um aspecto. É o aspecto de uma lista e não a aparência de um conceito, um número cardinal é a marca de um conceito, a propriedade interna de um conceito.

    Quando ensinamos as crianças temos que nos ater ao emprego da palavra que designa o numeral. Nos jogos primitivos a criança aprende como se usa, por exemplo, a palavra “feliz”, feliz dia das mães, feliz dia dos pais, feliz natal, etc., tal que no dia do índio faz um cartão para sua mãe dizendo “feliz dia do índio”. Esse é exemplo que mostra que a criança, nesse caso, sabe o contexto que se usa a expressão “feliz dia”, conhece o contexto de aplicação de tais palavras, mas não sabe sua significação.

    A importância da linguagem na educação é indispensável, pois o uso da palavra em um determinado contexto e seu significado determinam o conhecimento de possibilidades de intervenção do professor para que alguns mal-entendidos sejam solucionados. O princípio de conservação de quantidade para os cognitivistas exige uma experiência do aluno com um objeto, de tal maneira que ele perceba que o volume de uma substancia é o mesmo independentemente do recipiente que a substancia for colocada, por exemplo, o volume contido em um copo de água tem o mesmo volume após o copo ser esvaziado em um prato raso. Para Gottschalk (2007), não é a experiência que deve ser levada em conta ao crédito de construção do conceito, e sim, a palavra “mesmo” volume pronunciada pelo aluno que experenciou a manutenção do volume de água nos dois recipientes, a experiência foi com a palavra, o uso da palavra com sentido.

    A significação da palavra ocorre nos diferentes usos, em diferentes contextos. Assim, podemos observar que é importante que se conheça o significado da palavra e os possíveis contextos de sua aplicação. Conhecer o contexto de aplicação da palavra, mas não saber seu significado, tal como saber resolver uma equação do segundo grau, mas não saber o significado de equação do segundo grau. Saber resolver a equação , mas não reconhecer tal forma da equação numa equação tipo . Outro exemplo é quando o aluno não sabe calcular três quintos de sessenta, aí podemos fazê-lo imaginar uma situação em que ele vai com seu pai e sua irmã numa pizzaria juntamente com dois amigos de seu pai. O garçom traz uma pizza dividida em cinco partes e cinco refrigerantes pequenos. Após comerem a pizza o garçom traz a conta com o valor de sessenta reais, perguntamos ao aluno, qual é a parte que cabe para seu pai pagar sabendo-se que a conta foi dividida entre o pai e os dois amigos de seu pai. Ele, nesse caso, responde satisfatoriamente. Após um certo tempo voltamos a perguntar ao menino quanto é três quintos de sessenta e ele novamente mostra que não sabe resolver. Ou seja, não compreendeu o significado de três quintos, não sabe ainda operar com o conceito de fração, ele sabe no contexto de uma situação imaginada que poderia acontecer no cotidiano, mas não sabe a aplicação do conceito de três quintos em uma expressão formalizada tal como 3/5 de 60. Na perspectiva do aluno, quando muda o contexto muda o conceito das palavras.

   Contar é uma técnica. Onze é sucessor de dez, assim como, doze é o sucessor de onze (Bouveresse, 1987). Para Wittgenstein (1987, p. 264), a série 1, 2, 3, ... é definida por uma regra e esta proposição não é empírica. Produzimos signos numéricos um após outro, tais como 1, 2, 3 e assim por diante. Nesse sentido, Mlika (2015), ao debater o pensamento de Maurice Caveing, afirma que

 

o conceito de número é independente de sistemas de numeração, mas os sistemas de numeração não são independentes dele, isso explica como todos os sistemas têm alguns traços em comum. Todos estes sistemas são conforme o conceito. O conceito de número não existe por si só em um céu inteligível: ele funciona como um pólo de regulação, naturalizado, “historicizado” e “humanizado”.

 

    Para Caveing (2004), a matemática é fruto de um trabalho humano que se opera por desvios no pensamento, na linguagem e na prática. O automovimento da matemática esclarecido por Caveing concorda de certa forma com a autonomia e normatividade da matemática defendida por Wittgenstein. O movimento interno da matemática mostra que o conceito de número inteiro nasce por uma necessidade interna do próprio campo da matemática, não porque temos dívidas, quando nos deparamos com a operação, por exemplo, 2 – 5, assim como o conjunto dos números imaginários nasce da necessidade de extrair a raiz quadrada de um número negativo.

    Bouveresse (1987) destaca que a força de regra permite Wittgenstein apelar para a invenção da necessidade. As regras gramaticais determinam a significação, tal como  (dois menos três não pertence ao conjunto dos números naturais). Então temos que inventar um novo conjunto que dê conta do elemento descoberto e assim sucessivamente vamos criando outros conjuntos conforme a nossa necessidade.

 

A concepção antropológica da necessidade que nos apresenta Wittgenstein certamente desencoraja a tendência de realismo matemático (ou qualquer forma de teoria da verdade como correspondência). Somos tentados a acreditar que deduzimos p de q porque p segue efetivamente (Tatsächlich)  ou realmente de q (BGM, p. 46), conforme uma consecução objetiva que gravamos em "p decorre q". Mas Wittgenstein não acredita na objectividade da relação da consequência lógica, "as consequências" não existem "antes de ser tiradas" (PG, p. 55), não há conexões lógicas ocultas (p. 144). E, se for preciso invocar aqui um acordo com a realidade, é o acordo com a realidade de usos e costumes: “mas com que concorda aqui quem é correto? Sem dúvida com uma convenção ou um uso, e talvez com as necessidades práticas”. (Chauviré, 2008, p. 97)

 

    Conhecimento e linguagem relacionam-se de tal maneira que os critérios de verdade e objetividade são resultados de uma intersubjetividade. A invenção humana atua com diferentes objetividades, diferentes finalidades, diferentes critérios e com diferentes formas de vida. A objetividade está em diferentes formas de vida onde as condições objetivas envolvem a construção do conhecimento. A verdade não é absoluta, mas é objetiva. Cada objetividade é diferente e circunstancial. A produção de conceitos cria a objetividade da matemática. “A verdade matemática é independente do reconhecimento ou não por parte dos homens! – Certamente: as frases “os homens acreditam que ” e “ ” não têm o mesmo sentido” (Wittgenstein, 1989, p. 203).

    Para Lamarre (2007), a certeza não é nem uma interioridade subjetiva, nem uma transcendência objetiva, ela é interna à prática intersubjetiva de um jogo de linguagem, é o pedestal firme da autoridade e autoriza um jogo de linguagem. Autoridade do mestre e da escola, diferentemente de autoritarismo, pois acredita-se, assim como Wittgenstein, que o aluno precisa acreditar e ter confiança no professor e na escola. Lamarre afirma que Wittgenstein não é um relativista, porém que a autoridade não só precede cronologicamente a racionalidade, mas também é o seu substrato, a base. Podemos também dizer que a confiança precede e funda a dúvida,  as certezas precedem e fundam o saber, a transmissão precede e funda a construção e a discussão. (Silveira; Cunegatto, 2016)

   De acordo com o filósofo austríaco, o professor não pode ensinar o aluno por meio da dúvida, e sim, partir de certezas. Quando ensinamos a criança a contar, não podemos querer que por si só descubra que depois de dezenove vem vinte. Os números são invenções humanas e a técnica de contagem tem que ser ensinada pelo professor. O aluno aprenderá a contar após um certo hábito com a contagem, assim como poderá aprender as operações com os números, mas para que isso aconteça deve ser iniciado na aprendizagem da gramática que rege os textos matemáticos.

 

O uso da gramática da matemática

   A gramática da nossa língua natural é um conjunto de regras que orienta o uso das palavras dentro de um texto e contexto determinado, já a gramática da matemática é um sistema de regras que rege, por exemplo, as operações e o cálculo de equações. Ela guia o uso de determinados símbolos que seguem uma regra de formação, bem como as regras que governam um determinado jogo de linguagem, tal como as equações. O significado de um signo está no uso que fizemos dele, na aplicação do signo. O uso dos signos estabelecem as relações entre elementos de conjuntos e entre os próprios conjuntos.

   Jogo de linguagem consiste de linguagem e pelas atividades com as quais ela vem entrelaçada. Na atividade de ensino, o jogo de linguagem, para Wittgenstein (1996, p. 18) pode se dar quando: “o aprendiz dá nome aos objetos. Isto é, ele diz a palavra quando o professor aponta para a pedra (...) o aluno repete as palavras que o professor pronuncia-ambos, processos lingüísticos semelhantes”. A função do jogo de linguagem é a forma de vida, tal que as palavras pronunciadas no contexto tenham sentido para todos participantes do jogo.

 

Uma das principais fontes de nossa falta de compreensão é que não dominamos com uma clara visão o uso de nossas palavras. – Falta à nossa gramática uma disposição clara. Uma exposição de conjunto transmite a compreensão, que consiste exatamente em “ver conexões”. Daí a importância de se achar e de se inventar conectivos. (Wittgenstein, IF, § 122)

 

   O uso da gramática busca evitar as confusões e equívocos do mal-uso de nossa linguagem. Os jogos de linguagem apontam para o uso das palavras em determinados contextos e por determinadas pessoas, de tal forma que as palavras são usadas orientandas pelo funcionamento da linguagem daquela comunidade. Se mudamos os contextos, mudam também os jogos de linguagem e o significado das palavras.

    Segundo Soulez (2004), a linguagem começa pelo jogo, entrelaçando expressões e ações, num contexto. Jogo de linguagem é estrutura linguística onde a atividade de enunciação está num lugar dado. Existe relação interna entre atos e regras que se exprime em conceitos, um jogo de linguagem que associado à ação num contexto faz com que o ato siga as palavras pronunciadas. Assim, compreender é operar com uma frase que supõe a manipulação de signos na medida em que pensar é uma forma de cálculo onde o significado é o papel no cálculo. Operação como ação, ato mental onde os atos seguem as palavras conforme regras no contexto. As regras constituem significados de tal maneira que palavras que não seguem regras não possuem significação. Porém, as regras podem ser compreendidas em diversos sentidos, daí que as palavras se deixam traduzir em outras existentes ou inventadas. Desta forma, determinamos o sentido da regra no uso, na prática da linguagem.

    O uso do símbolo matemático lhe fornece vida, ele sozinho parece morto. O elemento  pode ter sentido quando dividirmos a medida da circunferência pelo seu diâmetro, assim como a diagonal de um quadrado for calculada como a hipotenusa do triângulo de catetos iguais aos lados do quadrado em que o triângulo está inscrito. De forma similar, a regra de três terá sentido quando aplicada em diferentes contextos, tal como o cálculo proporcional de 25% de x sabendo-se que x vale 60. Assim, podemos perceber que o que dá sentido a um símbolo, bem como o que fornece sentido à uma regra é o uso que fizemos do símbolo e da regra, o funcionamento na prática é que lhes fornece vida.

    Para escrever textos matemáticos é necessário o domínio de certas técnicas da escrita, tais como aquelas que dizem que para encontrarmos o valor de uma incógnita separamos os termos com incógnitas de um lado da igualdade e do outro lado colocamos os termos independentes, essa regra busca isolar a incógnita. Como por exemplo, o uso da gramática na equação  faz com que encontremos . Calcular o valor de x implica encontrar o valor que torna a equação verdadeira. Porém, se tivermos a equação  os alunos podem encontrar certa estranheza se isolarmos a variável do lado direito da igualdade, tal que , justamente porque estão habituados a colocar os valores com x do lado esquerdo da igualdade. Não é tão evidente para o aluno modificarmos regras que lhes foram ensinadas, motivo que aponta para o desconhecimento da gramática.

    “Uma equação é uma regra de sintaxe” (Wittgenstein, 2005, p. 120) e a sintaxe é governada por regras gramaticais. As regras gramaticais oferecem sentido aquilo que dizemos ou escrevemos, bem como ocupam lugar de executarmos a comunicação com nossos pares de forma que eles compreendam aquilo que queremos dizer, que compreendam nossos pensamentos por meio de palavras. Nossas palavras são guiadas pela gramática da língua portuguesa, assim como as proposições matemáticas são guiadas pela gramática da matemática.

   “A geometria e a gramática sempre correspondem uma à outra” (Ibid., § 157). A geometria é um conjunto de regras que governam a existência de sólidos geométricos, por sua vez a gramática da língua portuguesa é o conjunto de regras que governa nossa linguagem. Segundo Wittgenstein, o cálculo, o jogo, a linguagem e a gramática são noções solidárias que seguem regras. Daí a necessidade da tradução da linguagem codificada da matemática para a linguagem natural, com o objetivo de clarificar a sua gramática. E traduzir de uma língua para outra é um jogo de linguagem.

    A gramática da língua portuguesa pode ser diferente da língua inglesa, mas ambas pretendem que os sujeitos, em suas línguas maternas, compreendam-se mutuamente. Da mesma forma, a linguagem matemática pretende ser compreendida em diferentes idiomas, cada qual com seu conjunto de regras. Neste sentido, podemos dizer que a linguagem matemática pretende ser universal, de tal forma que uma equação do primeiro grau, por exemplo, possa ser compreendida em qualquer idioma. Devemos destacar que a linguagem matemática não possui oralidade, portanto, ela utiliza a língua materna para que seus signos possam ser lidos. Neste interim, podemos perceber que a linguagem matemática ao ser lida pela linguagem natural, carrega assim a sua polissemia.

     Os cálculos algébricos, por exemplo, podem ser conhecidos e apreendidos em qualquer idioma. A álgebra é considerada como uma língua estrangeira pelos estudantes, pois podemos perceber o alto índice de reprovação em matemática quando iniciam as atividades de interpretação e escrita de cálculos algébricos. A escrita de textos matemáticos aponta para a dificuldade de objetivação quando não dominam a gramática da matemática. Pierobon (2003) afirma que a álgebra é uma escritura emancipada de uma intuição. Esta disciplina é uma construção simbólica em que a escritura e imagem estão dissociadas e assim, o algoritmo algébrico representa um salto epistêmico. Porém, de acordo com Wittgenstein, não há pensamentos sem linguagem.

 

É correto dizer que o pensamento é uma actividade da mão que escreve, da laringe, da nossa cabeça e do nosso espírito, desde que se compreende a gramática destas afirmações. E é, além disso, extremamente importante ter consciência de como, pela má compreensão da gramática das nossas expressões, somos levados a pensar numa destas afirmações em particular como indicando a verdadeira sede da actividade do pensamento (1992, p. 45).

 

    A articulação do interior e exterior se manifesta por meio da linguagem, pensamento e palavra estão ligados de tal maneira que não há nada oculto, tudo está em nossa linguagem. Para Chauviré (2010), Wittgenstein nega que exista um processo interior sem o exterior, o acesso ao interior é mediado pelo exterior, mas isso não quer dizer que existe uma sincronia de tal forma que quando falamos as palavras acompanham o pensamento. É impossível descrever o processo de pensamento, assim como descrever a reflexão, ela depende da linguagem. Pensar não é um conceito da experiência, mas uma capacidade.

    Wittgenstein (2009, §339) afirma que “pensar não é nenhum processo incorpóreo que empresta vida e sentido ao ato de falar” e este fato aponta para os limites da nossa linguagem quando queremos expressar um pensamento, tal como quando utilizamos palavras indevidas quando na realidade queríamos dizer diferente. “O interior está ligado logicamente ao exterior, e não simplesmente por experiência”. (Wittgenstein, 2008, II, § 63). Para o filósofo, existe relação entre ver e interpretar, assim como, interpretar é uma espécie de pensar. Não existe pensamento sem linguagem e a relação entre a realidade e a linguagem leva à uma prática quando, por exemplo, dizemos “Isso é uma cadeira”. O significado da palavra cadeira está no uso da palavra. “A comunicação oral deixa na memória uma impressão muito mais frágil que a visualização da palavra” (Wittgenstein, 1986, p. 237).

   Daí a importância da leitura e escrita na aprendizagem da matemática, pois lidar com a leitura da palavra escrita ou mesmo ter que escrever a palavra é um exercício que conduz o aluno à memória na constituição de conceitos. O uso de símbolos e da gramática da linguagem matemática em jogos de linguagem onde participam aluno e professor é necessário para o entendimento do funcionamento dessa linguagem.

 

Considerações finais

    A matemática é normativa porque sua gramática não depende da empiria e o  seu automovimento lhe concede autonomia. Essa normatividade impõe uma lógica própria que pode não coincidir com a lógica do aluno e a lógica do cotidiano. Este fato pode trazer prejuízos à aprendizagem da matemática. A possibilidade de compreensão da matemática depende da compreensão da gramática que rege seus textos. Os intérpretes de Wittgenstein têm apontado a importância de compreender a linguagem na escola e fora dela. Wittgenstein anuncia os jogos de linguagem como forma de fornecer vida as palavvras pronunciadas em um determinado contexto. Na sala de aula quando o professor ensina o vocabulário associado aos conceitos matemáticos mostra a preocupação com o uso da linguagem específica dessa disciplina.

    É por meio do uso da linguagem que os alunos podem compreender seu significado. Para isso, o diálogo entre professor e aluno torna-se imprescindível para que as palavras pronunciadas em sala de aula tenham sentido para ambos. É no uso dos símbolos matemáticos que surge a possibilidade de compreensão. Atividades de ensino que possam propor a participação do aluno, de forma tal, que ele seja instigado a expor aquilo que interpretou das palavras do professor. O professor ao dar voz às suas dificuldades pode recuperar as palavras mal interpretadas e usar outras na tentativa de que o sentido seja encontrado.

    É também no uso de regras matemáticas que o aluno encontra o significado. A aplicação de regras pressupõe o exercício da aplicação de regras em diferentes contextos, porém como vimos não podemos prever todos os contextos que o aluno queira aplicar uma determinada regra. O importante é que a regra seja compreendida, mas não basta o professor dar exemplos de aplicação no quadro, é preciso estabelecer um jogo de linguagem com os alunos onde as palavras pronunciadas tenham sentido.


 

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[1] Doutora em Educação, Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Linguagem Matemática do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática/Universidade Federal do Pará. E-mail: marisabreu@ufpa.br. Endereço: Augusto Corrêa, n. 01, Guamá, Belém, Pará, Brasil. CEP 66075110.